Alguns acontecimentos marcaram os rumos da Igreja Cristã. Entre eles, de forma privilegiada, está a chamada "paz de Constantino". No ano de 312 Constantino vence seu rival Maxêncio junto a ponte Milvia. Nesta batalha, o exército de Constantino trazia símbolos cristãos em suas insígnias. No ano seguinte, 313, junto com Licínio, Constantino proclama um edito de tolerância, conhecido como Edito de Milão. Nele se concede aos cristãos os mesmos direitos de outras religiões reconhecidas pelo Império. A situação da Igreja Cristã se transformará profundamente. Poderá se reunir e se organizar. O próprio imperador irá propiciar os meios para isso. Nos séculos IV e V irá ter o seu auge o processo de Iniciação Cristã, o Catecumenato. Mas ele já contava com uma longa história. A Igreja nunca concedeu os sacramentos da Iniciação Cristã - o batismo, a confirmação e a eucaristia - sem uma preparação devida e sem que a fé do iniciado fosse testada. Podemos lembrar alguns testemunhos.
Um escrito datado com certa segurança como sendo dos tempos apostólicos, entre os anos 80 e 90, a Didaqué ou Ensino dos Doze Apóstolos, encontrado em 1873 na biblioteca do mosteiro do Santo Sepulcro em Constantinopla, nos dá informações sobre o batismo, como acontecia, provavelmente, na Síria: "Quanto ao batismo, procedam assim: Depois de ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Didaqué VII,1)
Os estudiosos chamam a atenção justamente para esta indicação de "Depois de ditas todas essas coisas". Refere-se a todo o ensino que precede à exposição quanto ao batismo. Pede também uma preparação imediata através do jejum: "Antes do batismo, tanto aquele que batiza como aquele que vai ser batizado, e se outros puderem também, observem o jejum. Àquele que vai ser batizado, você deverá ordenar jejum de um ou dois dias" (Didaqué VII, 4). Descreve ainda as formas de batismo, algo muito interessante para nós, porque já prevê, embora como exceção, o batismo derramando água sobre a cabeça do batizando: "Se você não tem água corrente, batize em outra água; se não puder batizar em água fria, faça-o em água quente. Na falta de uma e outra, derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Didaqué VII, 2-3)
Outra fonte interessante é Justino de Roma. Nasceu por volta do ano 100 em Flávia Neápolis, cidade fundada em 72 pelo imperador Vespasiano sobre as ruínas da antiga Siquém, na Palestina. Embora pelos nomes de membros de sua família, não devesse ser judeu. Aliás, ele próprio nos informa que não sabia o hebraico, nem havia sido circuncidado. Sua conversão para o cristianismo deve ter ocorrido por volta do ano 132. Tinha uma sólida formação intelectual. Em sua obra Diálogos (2,1-6) nos conta que frequentou filósofos estóicos, peripatéticos, pitagóricos e platônicos. Não obstante isso, permanecia insatisfeito e inquieto. Foi quando conheceu o cristianismo, a "única filosofia certa e digna" (Diálogos 3-8). A maior parte de sua atividade a exerceu em Roma, onde abriu uma escola filosófica e escreveu suas obras. Morreu decapitado, testemunhando sua fé, no ano 165.
Neste segundo século não existem pregadores especializados. A evangelização é obra de todos. Cada um se responsabiliza de anunciar o evangelho a seus familiares, amigos e vizinhos. O próprio Justino nos informa desse ímpeto missionário dos cristãos, mesmo na perseguição: "Entre nós tudo isso pode-se ouvir e aprender até daqueles que ignoram as formas das letras, pessoas ignorantes e bárbaras de língua, mas sábias e fiéis de inteligência, e até pessoas mutiladas e privadas de visão. De onde se pode entender que isso não acontece pela sabedoria humana, mas se diz que é pela força de Deus" (I Apologia 60, 11). Sobre a iniciação cristã, Justino nos dá preciosas informações.
"Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos, em primeiro lugar, para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles" (I Apologia 61, 2)
Percebemos que o batismo é precedido de um convencimento pessoal e de uma instrução sobre as verdades em que creem os cristãos. Não é um fato isolado, pessoal ou simplesmente familiar, mas envolve toda a comunidade dos crentes. Para ser aceito ao batismo, segundo este escrito, são necessárias algumas condições: a fé naquilo que ensina a Igreja; o arrependimento de suas faltas; e uma vida transformada, coerente com a nova situação de cristão. Nos dias em que antecedem o batismo, há uma preparação mais intensiva, litúrgica e espiritualmente. Como já havíamos encontrado na Didaqué, se privilegia o jejum e a oração. Alguns estudiosos pensam que nessa recomendação ao jejum para o batizando e ao qual a comunidade se une, pode estar a origem do nosso costume de jejuar na sexta-feira santa, já que o batismo era celebrado na festa da ressurreição. O texto de Justino continua:
"Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração, com que também nós fomos regenerados, eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo" (I Apologia 61, 3)
Após o batismo, aquele que foi batizado, acompanhado de um grupo de pessoas mais próximas e envolvidas nesta celebração, é conduzido ao local onde estão reunidos os irmãos para a celebração da Eucaristia, participando dela pela primeira vez: "De nossa parte, depois que assim foi lavado aquele que creu e aderiu a nós, nós o levamos aos que se chamam irmãos, no lugar em que estão reunidos, a fim de elevar fervorosamente orações em comum por nós mesmos, por aquele que acaba de ser iluminado e por todos os outros espalhados pelo mundo inteiro" (I Apologia 65, 1). A estrutura desta celebração eucarística descrita por Justino é muito próxima à nossa missa.
O testemunho de Justino nos traz o essencial das etapas e das exigências do catecumenato. O que foi batizado - Justino chama de iluminado - participará integralmente da vida da comunidade. Com a comunidade se reunirá "no dia que se chama do sol" para celebrar e "recordar constantemente destas coisas". O primeiro dia da semana no Império Romano será chamado "dia do sol" até o século IV, quando receberá um nome cristão: Dia do Senhor, em latim, dies Dominicus, domingo. Jesus é o verdadeiro "sol", Ele, que é a luz da nossa existência. "Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame" (I Apologia 67, 7).